sexta-feira, agosto 19

EM DEFESA DA ESCOLA: interface com o movimento homeschooling



Esse post surgiu a partir de uma interação no FB. Não imaginava que aquela troca culminaria neste primeiro esforço por articular o que já estava latente, aquilo que já vinha pensando acerca da mobilização no Brasil em torno do direito à educação em casa (homeschooling).
Atualmente sou diretor de uma escola municipal de educação infantil. Inevitavelmente, minha análise será clivada por essa experiência. 









Não me enquadro na categoria dos defensores irrestritos do movimento homeschooling, embora aprecie e defenda o esforço de muitas famílias por salvaguardar seus filhos de influências que julguem incompatíveis com suas crenças. Afinal, nenhum sistema educacional é neutro ou plasmado num vácuo ideológico.

Mas também não me enquadro entre aqueles que exergam a educação em tons róseos e idealizados, como se tudo estivesse seguindo um curso natural e irrevogável.


Não há necessidade de muita agudeza e perícia na observação, ser um especialista em assuntos educacionais ou em políticas públicas, para constatar o cenário tenso e dramático em que nos encontramos. Alguém poderia objetar: mas quando não foi assim em se tratando da educação brasileira? Seja como for, há sempre uma escola por perto e que se interpõe em nosso caminho. Não há como ser indiferente à sua presença. Esbarramos nela. Ela vem até nós com suas agonias e desventuras.


A mídia não a deixa sossegada, quer seja através da publicidade de suas boas experiências, ou através de coberturas jornalísticas caricatas e estereotipadas. Ainda assim, existem experiências ricas e exitosas de gestão nem sempre conhecidas e divulgadas. Devemos aprender com elas.


A escola pode ser traumática para muitos, é verdade. Se não durante todo o tempo que se permaneça nela, pelo menos em algum momento você pode ter sofrido algum tipo de experiência desagradável e que deixou suas indeléveis marcas. Estou aqui me referindo a todo tipo de violência a que seus interlocutores podem sofrer, alunos e educadores. No caso dos primeiros, aquele fenômeno antigo, tão antigo quanto a própria existência formal da escola, mas que ultimamente atende pelo nome bullying. 


Por outro lado, essa mesma escola também é um porto seguro emocional para muitos alunos e educadores. Não são poucas as crianças que só encontram acolhimento e abrigo para suas tensões e vicissitudes nela. Quantas não têm apenas na escola a possibilidade de falar e ser compreendido?


A escola possibilita o confronto com o diverso, com o diferente. Pode ser esse lugar onde afirmamos e testamos a plausibilidade e coerência de nossos pressupostos. Pois nosso teto epistemológico pode continuar impoluta e narcisicamente intocável até que surja alguma situação de exposição, algum contexto não previsto ou calculado em que nossas premissas sejam testadas e postas em desequilíbrio, levando-nos, de forma dolorosa ou não, a reposicionamentos, novas leituras, ressignificações. A escola é um desses ambientes privilegiados de interação.



Dessa maneira, ainda que respeite aqueles que não compartilham dessa mesma leitura acerca da escola, lutarei inflamadamente para que seja assegurada aos defensores da homeschooling a liberdade de poder optar por essa via diferente. Me coloco ao lado deles no esforço para que o Estado, através da criação de dispositivos legais / jurídicos, legitime esse direito em termos constitucionais.



Mas lamento constatar que no discurso de uma parte significativa de seus signatários cristãos (não estou generalizando) haja uma demonização da escola pública, como se esta fosse a grande responsável pela perversão e apostasia dos filhos. Sim, ela pode contribuir. Contudo, ela só preencherá aquilo que não está devidamente ocupado. Esse temor pode ser muito mais revelador da própria omissão e insegurança dos pais no que concerne ao que têm ministrado em casa às crianças, enquanto representantes primeiros da Aliança, responsáveis, portanto, por educar seus filhos num contexto pactual, do que se está disposto a admitir. Quando falhamos nessa direção, não dando o suprimento espiritual de que eles carecem, numa perspectiva redentiva, de fato, temos que temer a "escola".


Fico pensando em Moisés, criado na corte egípcia... Em Daniel e seus companheiros exilados para a Babilônia, iniciados na cultura dos caldeus... "Nossa escola" atual em nada se compara à atroz realidade que eles enfrentaram. Porém, não sucumbiram à filosofia reinante.



Em resumo, penso que devemos, sim, subsidiar os pais no fortalecimento das verdades do Reino, para que as inculquem em seus filhos (Dt. 6.7). Essa homeschooling, que é concomitante à experiência escolar, está inscrita no propósito original do Criador. 


Se não podemos matricular nossos filhos em escolas confessionais condizentes com nossa cosmovisão - e que fortalecerão as verdades já ensinadas e apreendidas em casa -, redobremos nosso cuidado familiar, pois crianças sem orientação divina ministrada pelos pais são como casas sem telhado, sujeitas a todo tipo de exposição.


Não podemos perder de vista nosso comissionamento cultural, anterior à queda (Gn. 1.26-28). Devemos ser sal e luz da terra (Mt. 5.16). O que Deus espera de nós não é o desenvolvimento de um cativeiro cultural, de um gueto assepticamente blindado, mas que moldemos nossa sociedade, sua filosofia e consequente ética, com a Verdade que liberta: Cristo. Esse é o bom contágio de que nos fala C.S. Lewis.


Que Ele use nossas crianças e jovens - bem instruídos em casa - para que influenciem outros, para que mostrem aos seus pares (na escola) que é possível viver e dialogar com o outro sem transigir com os princípios de nossa fé! Pois é o alicerce da verdade cristã que balizará o diálogo e estabelecimento das fronteiras, reconhecendo que Deus, pela graça comum, possibilita a todos os homens, indistintamente, o desenvolvimento de "produtos" culturais e científicos que beneficiam a toda humanidade, redimidos e não-redimidos.


Filhos criados no contexto da aliança são primeiramente herança do Senhor. Filhos cujos pais praticam a homeschooling que prepara para a escola, que não anula a escola e que não depende só da escola são como flechas nas mãos do guerreiro, certeiras em seu alvo (Sl. 127.4-5a):


"Como flechas na mão do guerreiro, assim os filhos da mocidade.
Feliz o homem que enche deles a sua aljava; não será envergonhado, quando pleitear com os inimigos à porta." 


Nos tempos bíblicos, o que era um homem poderoso sem flechas? Pais arqueiros endireitam suas flechas continuamente para que voem rumo ao alvo certo. Filhos criados pactualmente honrarão ao Deus de seus pais, não os envergonharão, mesmo diante da total corrupção de valores e do predomínio de "filosofias  vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo." (Cl. 2.8. NVI).






"Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus." (Mt. 5.16)