sábado, novembro 6

Bancos fortes, púlpitos fracos

O sistema expositivo-sequencial (lectio continua) é um dos modelos de pregação desenvolvido ao longo da história e talvez até possa ser dito que não está entre os mais adotados e apreciados pelas igrejas evangélicas ao redor do mundo. E, para assombro de muitos aferrados defensores dele hoje em dia, nem pode ser dito que esse modelo é bíblico no sentido de ser requerido explicitamente nas Escrituras (cf. Dr. Augustus Nicodemus).
Mas fico a pensar: quantos pregadores poderiam juntar-se ao Apóstolo Paulo ao final de uma etapa ministerial e declarar, tal como ele fez no reencontro com seus presbíteros de Éfeso: "jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus" (At. 20.27).
Quantos pregadores poderiam dizer hoje: jamais conduzi-me no púlpito de maneira coagida, aceitando subornos verbais, diretos ou velados; jamais flertei com a insepulta tesoura de T. Jefferson, que sempre extraía aquelas seções da Bíblia que não lhe agradavam; jamais sucumbi à pressão dos que não suportam a sã doutrina, que procuram fazer-me um mestre ao gosto de suas próprias cobiças, que determinam o que querem ouvir, que sentem coceira nos ouvidos (II Tm. 4.3)?
Lamentavelmente, o espírito de nossa época não é diferente daquele descrito pelo Dr. Lloyd-Jones há quase 50 anos, onde bancos fortes dominam púlpitos fracos, conforme ele bem configurou no seu clássico “Pregação e Pregadores”.
Ultimamente não tenho escondido minha indisposição e indigestão com outros  estilos, com pregadores que, em nome da "relevância", salteiam suas pregações, salpicam exposições domingo após domingo (hoje Efésios, domingo próximo Jeremias, depois I João...), tornando suas congregações reféns dos temas do momento, das necessidades "atuais", ou que vez ou outra não resistem e entregam aqueles mal camuflados sermões de carapuça.
É preciso cautela para não empacotar todos os pregadores não-sequenciais na descrição acima, como se todos estes fossem expositores astutos e de má índole, obstinados e firmes em sua resolução de não se adequar ao modelo aqui esposado. Reconheço em muitos piedade verdadeira e apreço pelas Escrituras, temor genuíno, pastoreio amável, enfim, conduta aprovável e que em nada desabona o caráter que Cristo vindica deles. Não, não são lobos vorazes ou enganadores de fora e de dentro (At. 20. 29-30; Mt. 24.24).
Não, minha indisponibilidade auditiva não se volta para estes pregadores. Muitos entre eles só não abraçam o sistema sequencial porque lhes falta exposição ao mesmo. Não tiveram a oportunidade de se confrontar com os grandes pregadores expositivos. Com formações precárias ou com pouco acesso a boa literatura reformada em seus rincões pastorais. São dignos de minha consideração. É preciso ter apreço por esses pregadores e evangelistas, leigos, itinerantes, apaixonados pela causa de Cristo, evangelistas incansáveis.
Sim, sonego acolhida para com os de resistência deliberada, que se escondem atrás da “relevância”.
Não é meu propósito historicizar a mudança, mas é a partir dos excessos subjetivistas e secularizados dos avivamentos dos séculos XVIII e XIX que se institucionaliza o primado da descontinuidade expositiva, das idéias e temas em detrimento dos livros bíbli­cos, reveladores agora de uma homi­lé­tica frag­men­tada, sem linearidade.
Não sou pregador no sentido estrito do termo, muito longe disso. Tenho tido, porém, o grande privilégio, não menor que a pesada responsabilidade, de expor a Palavra como professor numa igreja que abraçou a exposição sequencial tanto no currículo adulto da EBD quanto no púlpito. Ali há espaço para temas e ideias, mas os temas e ideias dos escritores bíblicos, expostos em aulas e sermões sequenciais.
Penso que minha identificação com o sistema expositivo-sequencial é muito mais uma aspiração, uma aproximação temerosa, do que propriamente uma adequação a ele. De uma coisa, contudo, tenho segurança para dizer: sei reconhecer um bom sermão expositivo.
Louvo a Deus pela vida e fidelidade ministerial de meu pastor, e de tantos outros ministros reformados que não enchem o povo de vãs esperanças, das visões de seus corações e sim daquilo que vem da boca do Senhor (Jr. 23.16); que anunciam todo o testemunho de Deus (I Co. 2.1); que não se conformam com este século e com seu pragmatismo defensor de resultados a todo custo (Rm. 12.2); que creem na suficiência das Escrituras e de sua eficácia para ensinar, repreender, corrigir, educar na justiça (II Tm. 3.16); que estão convictos de que é pela pregação que os eleitos serão alcançados (Rm. 10.14-15; Jn. 3.5; Mt. 21.32; Jo. 2.23, 4.41; At 2.41, 13.48, 17.34); que não se reconhecem como importantes e decisivos para que os resultados aconteçam (I Co. 3.7), que sabem que são constituídos de matéria frágil, reconhecem-se vasos de barro, para que toda excelência seja divina (I Co. 4.7); que acreditam que sempre haverá crentes nobres e ávidos pela Palavra, examinadores diários dela, como os crentes de Beréia (At. 17.11); que estão certos de que encontrarão crentes tessalonicenses, que recebem a Palavra não como palavra de homens, “e sim como, em verdade é, a Palavra de Deus” (I Ts. 2.13); que aceitam que a Escritura tem um tempo, sim, e este tempo não é o tempo dos homens, e sim o tempo de Deus, pois a Sua Palavra jamais volta vazia e sempre faz o que lhe apraz e prosperará naquilo para o que Ele designou (Is. 55.11). Não foi Ele mesmo quem disse: "Não é a minha palavra fogo, diz o SENHOR, e martelo que esmiúça a penha?" (Jr. 23.29)
A Reforma em nossas igrejas jamais começará, nem tampouco se sustentará, se não partir do púlpito, com homens consagrados e cativos à Palavra. Púlpitos fortes, bancos fortes!

2 comentários:

  1. Grande Professor !!!
    Parabéns pelo blog...nome inspirativo hein ?!
    gera a maior expectativa do que vem por aí...
    abraço

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  2. Francisco caríssimo, grato pela visita. Estamos aé!

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